SAÚDE MENTAL

segunda-feira, 19 de março de 2012

Psiquiatrização da vida e o DSM V: desafios para o início do século XXI

Fonte: CEBES

Crianças que fazem muita birra sofrem de um distúrbio psiquiátrico recentemente descoberto, a chamada “desregulação do temperamento com disforia”. Adolescentes que apresentam de forma particular comportamentos extravagantes podem sofrer da “síndrome de risco psicótico”. Homens e mulheres que demonstram muito interesse por sexo, quer dizer, aqueles que têm fantasias, impulsos e comportamentos sexuais acima da temperança recomendada, muito provavelmente padecem do distúrbio psiquiátrico chamado “desordem hipersexual”. Confiram o texto de Paulo Amarante, Diretor do Cebes, e Fernando Freitas, ambos pesquisadores do LAPS/Fiocruz, sobre o novo Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais.

Essas são algumas das várias novidades que estão sendo propostas pela Associação Americana de Psiquiatria (conhecida internacionalmente como APA), para suceder o DSM-IV (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais), em vigor desde 1994.  Há outras novidades que vem chamando a atenção de todos. Por exemplo, a “dependência à internet” e a “dependência a shopping”.

O que o DSM representa? Não apenas para a saúde pública propriamente dita, mas para a própria construção da subjetividade e intersubjetividade do homem contemporâneo?  A medicalização crescente do nosso cotidiano.

Apenas para se ter uma ideia da chamada “inflação” dos distúrbios considerados objeto da psiquiatria: há cinquenta anos atrás eram seis as categorias de diagnóstico psiquiátrico, e hoje são mais de trezentas.

Nas últimas décadas o DSM tem servido como a bíblia para a chamada psiquiatria moderna e para os saberes e práticas subordinadas à sua hegemonia. Os autores de suas sucessivas edições argumentam suas pretensões são: (1) Fornecer uma “linguagem comum” para os clínicos; (2) Servir de “ferramenta” para os pesquisadores; (3) Ser uma “ponte” para a interface clínica/pesquisa; (4) Ser o “livro de referência” em saúde mental para professores e estudantes; (5) Disponibilizar o “código estatístico” para propósitos de pagamento dos serviços prestados e para fins administrativos do sistema de saúde; e, finalmente, (6) orientar “procedimentos forenses”.

Os impactos provocados por cada edição do DSM são inúmeros. Bem próximo de nós, está aí o exemplo da pesquisa da OMS sobre a saúde mental dos moradores da Metrópole de São Paulo. Segundo os resultados dessa pesquisa, cerca de 1/3 da sua população sofre de algum distúrbio psiquiátrico. A grande imprensa nacional tomou tal pesquisa para alertar à população que a situação do sistema de assistência em saúde mental do país está muito aquém das demandas dos cidadãos, muito em particular o SUS.  E que sendo São Paulo uma megalópole de um país com tendências à urbanização acelerada, o seu exemplo deve ser considerado como alarmante.

O que escapa à maioria das pessoas que receberam essa notícia pela grande mídia são detalhes de grande importância para a credibilidade da própria pesquisa. Quem financiou essa pesquisa? Além da FAPESP (Fundação de Amparo a Pesquisa de São Paulo), entre outros órgãos públicos, como a própria OMS e a OPAS? Foram grandes conglomerados da indústria farmacêutica: Ortho-McNeil Pharmaceutical, a GlaxoSmithKline, Bristol-Meyers Squibb e Shire. Curiosamente, os autores declaram não haver conflito de interesses. Se isto não é conflito de interesses então é necessário revisar este conceito!

O DSM-V chega sendo objeto de grandes controvérsias. Basta uma consulta na Internet para se tomar conhecimento das contundentes críticas feitas por alguns dos principais autores do DSM-III e DSM-IV.  O que o DSM-V vem reforçar ao DSM-IV? Parece ser a tendência à medicalização dos comportamentos humanos de nossa época, ao transformá-los em patológicos em seus mínimos detalhes. Nos termos que vem se tornando públicos, o DSM-V reforça a tendência a assegurar e a ampliar o mercado da saúde mental: 1) o consumo arbitrário de medicamentos de natureza psicotrópica, sem qualquer cuidado com os seus efeitos sobre a própria saúde de seus consumidores; (2) a expansão de serviços de diagnóstico e de consultas; (3) a medicalização da vida.

Na medida em que o modelo “a-teórico” (como ele mesmo se define) do DSM nos possibilita constatar, principalmente a partir desta sua quinta versão, que seu objetivo real não é lançar luz sobre o conhecimento dos sofrimentos mentais, e sim produzir mais mercado para as intervenções psiquiátricas,  cumpre à sociedade recusar este projeto medicalizante/patologizante. As entidades de saúde, particularmente as médicas, os Conselhos de Saúde e de Direitos Humanos, os órgãos públicos de normalização, regulação, fiscalização (Ministério da Saúde, Ministério Público, Conselhos Profissionais, dentre outros) precisam se posicionar e cobrar a responsabilidade dos autores e multiplicadores de tais iniciativas.

Fernando Freitas é Diretor da Abrasme e Pesquisador do LAPS/Fiocruz
Paulo Amarante é Presidente da Abrasme, Diretor do Cebes e Pesquisador do LAPS/Fiocruz

Fonte: CEBES

quinta-feira, 1 de março de 2012

Legislação em Saúde Mental – 2004 a 2010


A Área Técnica de Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas apresenta a coletânea “Legislação em Saúde Mental2004 a 2010”. Esta edição, preparada especialmente para a XII reunião do Colegiado de Coordenadores de Saúde Mental, colhe as peças normativas produzidas pelo campo da saúde mental a partir de 2004, complementando o acervo disponível sobre a legislação do campo.
Em destaque, um conjunto de produções relacionado às questões do uso álcool e outras
drogas. Grandes avanços foram obtidos neste campo: a pena de prisão foi excluída para o usuário de drogas, ações de atenção integral e de redução de danos foram implementadas para o usuário de álcool e outras drogas no âmbito do SUS, e o hábito de beber e dirigir está sendo combatido. Delineiam-se assim os consensos possíveis sobre um tema complexo, com evidente interface com os grandes problemas sociais do mundo contemporâneo.
Também nesta edição, a mais recente produção legislativa aponta o caminho da intersetorialidade. Economia Solidária, Direitos Humanos, Saúde Mental de Crianças e Adolescentes, Saúde Mental Indígena - todos estes temas são tratados em legislação recente, através de esforços e investimentos intersetoriais. O esforço da qualificação e consolidação da rede de atenção à saúde mental também se reflete aqui. Finalmente, o impulsionamento das ações de saúde mental no nível da atenção básica, a nova fronteira da saúde mental no SUS – todas conquistas recentes de um processo de múltiplos atores, que a legislação passa a garantir.
Todas as Leis Federais que tocam o campo da saúde mental a partir de 2004 estão aqui
reunidas, assim como os Decretos, as Portarias Interministeriais, as Portarias do Ministério da Saúde e as Resoluções, Recomendações ou Declarações de Órgãos Colegiados, como o Conselho Nacional de Saúde ou o Fórum Nacional de Saúde Mental de Crianças e Adolescentes. A maioria das peças desta edição são seguidas de comentários, que dão o contexto da publicação do ato normativo e destacam a sua relevância dentro do conjunto da atual legislação em saúde mental.
Para um melhor aproveitamento deste material, lembramos que leis são, regra geral, da
competência do Poder Legislativo e são sancionadas pelos chefes dos poderes executivos - Presidente da República, Governador(a) de Estado, Prefeito(a). Decretos são atos administrativos de competência exclusiva do chefe do executivo, para atender situações previstas em leis. Portarias são instrumentos pelos quais ministros, secretários de governo ou outras autoridades públicas editam instruções sobre a organização e normas de execução de serviços. Resoluções, deliberações e recomendações são diretrizes ou regulamentos adotados por uma assembléia de caráter deliberativo.